Durante muito tempo, Capitães da Areia (1937), de Jorge Amado, permaneceu intocado no cenário acadêmico brasileiro, soterrado na indiferença ou na negação. Nesse sentido, há neste trabalho uma coragem implicada no que diz respeito ao objetivo de compreender, de maneira sistemática e abrangente, suas estruturas de significação. Mais ainda, mostra toda sua importância e potência ao pautar os Direitos Humanos de crianças e adolescentes em situação de rua como tema transversal. Para tanto, selecionamos um conjunto de textos em que se evidencia conflitos e situações de crise que se estabelecem entre os sujeitos marginalizados e a sociedade burguesa brasileira da década de 1930. Do ponto de vista teórico-metodológico, ancoramo-nos no escopo da semiótica discursiva francesa (ou greimasiana), de onde se privilegiou a problemática da ação, da manipulação, das paixões, da figurativização e da enunciação, sem deixar de considerar ainda os fatos de consciência (ideologia, identidade, diversidade etc.), em uma perspectiva transdisciplinar. Os resultados mostram que, do ponto de vista da organização narrativa, a exclusão como sanção pragmática se assenta na lógica de dupla estigmatização social, a invisibilidade e a (ultra)visibilidade, dos meninos em situação de rua que, por não se alinharem à ética deôntica prescritiva (dever-fazer) e por não cumprirem o contrato social, encontram na criminalidade e na violência urbana modos e condições de existência. Observamos, então, uma triagem da triagem operacionalizada pelo Estado Penal. Em relação à semântica passional, diagnosticamos uma progressão passional da qual emerge o recalcamento, a insatisfação, a decepção, a frustração e a cólera compulsiva na condução do autoextermínio do personagem Sem-Pernas. Nas encruzilhadas da figuratividade, por sua vez, mapeamos relações estéticas que configuram os regimes de constituição dos personagens, tematizam a luta de classe e concretizam os esquemas semionarrativos subjacentes. Além disso, chegamos a uma configuração discursiva 'exuzesca', marcada por equivalências semânticas entre Exu e os Capitães da Areia. Tudo isso controlado por um narrador onisciente estrategista que tudo sabe, tudo vê e se mostra um exímio mediador que se empenha na humanização dos meninos em situação de rua, assim como mostra pontos de interseção e interpretações possíveis, cria ambiguidades e revela contradições discursivas. Um pouco mais além, podemos constatar que o romance amadiano é organizado em torno de um efeito discursivo específico: a adesão da incipiente sociedade proletária à causa político-partidária na década de 1930, época essa marcada por discursividades opostas, ebulições sociais e políticas. Em síntese, Capitães da Areia se encontra em descontinuidade com o projeto de identidade nacional construído através da literatura, uma vez que ultrapassa a noção 'cordial e democrática' sobre a qual se projetou a sociedade brasileira.

For a long time, Captains of the Sand (1937), by Jorge Amado, remained untouched in the Brazilian academic landscape, buried in indifference or denial. In this sense, there is a courage implicit in this work with regard to the goal of understanding, in a systematic and comprehensive way, its structures of signification. Furthermore, it shows all its importance and potency when discussing the Human Rights of street children and adolescents as a transversal theme. For this, a set of texts was selected in which conflicts and crisis situations that are established between marginalized subjects and the Brazilian bourgeois society of the 1930s are evidenced. From a theoretical and methodological point of view, it was anchored in the scope of French (or Greimasian) discourse semiotics, from which the problems of action, manipulation, passions, figurativization, and enunciation were privileged, while still considering the facts of consciousness (ideology, identity, diversity etc.), from a transdisciplinary perspective. The results show that, from the point of view of narrative organization, the exclusion as a pragmatic sanction is based on the logic of double social stigmatization, invisibility and (ultra)visibility, of the street kids who, for not aligning themselves to the prescriptive deontic ethics (duty-duty) and for not fulfilling the social contract, find in crime and urban violence ways and conditions of existence. It is observed, then, a sorting of the sorting operationalized by the Penal State. In relation to the passionate semantics, a passionate progression is observed from which emerges the recalcitrance, the dissatisfaction, the disappointment, the frustration, and the compulsive anger in driving the self-extermination of the character Sem-Pernas. At the crossroads of figurativity, in turn, we found aesthetic relations that configure the regimes of constitution of the characters, thematize the class struggle, and concretize the underlying semionarrative schemes. Moreover, an 'exuzesque' discursive configuration was found, marked by equivalences between Exu and the Captains of the Sand. All this is controlled by an omniscient strategist narrator who knows everything, sees everything, and shows himself to be an excellent mediator who strives to humanize the street kids, as well as showing points of intersection and possible interpretations, creating ambiguities and revealing discursive contradictions. A little further, Amadiano's novel is organized around a specific discursive effect: the adhesion of the incipient proletarian society to the party-political cause in the 1930s, a time marked by social and political ebullitions. In summary, Captains of the Sand is in discontinuity with the project of national identity constructed through literature by going beyond the 'cordial and democratic' notion that projects Brazilian society to be.