Nas últimas décadas na América Latina, o medo do crime tem ocupado posição central no cotidiano das pessoas, as discussões sobre segurança e delinquência se tornaram pauta prioritária na mídia e na política. Ao mesmo tempo, a política criminal legislativa dos países latino-americanos tem se alterado, em um paradigma de supervalorização securitária, que aumenta a punição como resposta à delinquência clássica e aposta no uso intensivo e extensivo da pena de prisão como forma de controle do crime. O trabalho se apresenta com o objetivo de compreender se, e de que forma, o medo do crime difundido entre a população apresenta reflexos na elaboração de leis mais repressivas e menos garantistas no âmbito criminal. Foram selecionados, para análise, o Brasil e o Chile, e o período compreendido entre 1980 e 2020. A tese tem como pilar epistemológico a criminologia crítica, mas se desenvolve em permanente diálogo com a sociologia, filosofia, ciência política e psicologia social. Para sua execução, conjugamos a pesquisa bibliográfica, a análise de pesquisas de opinião e pesquisa empírica. Por meio da pesquisa bibliográfica discutimos sobre o medo enquanto um afeto político, apresentamos o estado da arte sobre o campo de estudo do medo do crime, discutimos sua dimensão simbólica e a relação entre o modelo político-econômico neoliberal e o protagonismo contemporâneo adquirido pelo medo do crime na consciência social, tanto em um nível geral, quanto nos contextos específicos do Brasil e do Chile, discutimos a adesão da sociedade ao punitivismo e o populismo punitivo. Encontramos uma íntima relação entre as inseguranças ontológicas da pós-modernidade, o neoliberalismo, a disseminação do medo do crime e a adoção do populismo penal. Por meio da análise de pesquisas de opinião e, em menor medida, de pesquisas de vitimização e estatísticas criminais, apresentamos dados quantitativos sobre o medo do crime e sensação de insegurança no Brasil e no Chile, dimensionando a importância política do tema. Por meio de pesquisa documental, analisamos o conteúdo as justificações dos projetos de lei aprovados no Brasil e no Chile, no período de 1980 e 2020, a fim de verificar se o medo do crime era mobilizado pelo legislador para fundamentar o projeto, e de que forma era feita essa mobilização. Assim, foi realizada uma análise quantitativa e qualitativa das justificações, evidenciando que o medo do crime foi largamente utilizado pelo legislador para embasar o aumento de punição, a restrição de garantias processuais penais e o recrudescimento da execução da pena.

In recent decades in Latin America, fear of crime has occupied a central position in people's daily lives, discussions about security and delinquency have become a priority agenda in the media and politics. At the same time, the legislative criminal policy of Latin American countries has changed, in a paradigm of security overvaluation, which increases punishment as a response to classic delinquency and bets on the intensive and extensive use of prison sentences as a form of crime control. The work is presented with the objective of understanding if, and in what way, the fear of crime spread among the population is reflected in the elaboration of more repressive and less guaranteeing criminal laws. Brazil and Chile were selected for analysis, and the period analyzed goes from 1980 to 2020. The thesis is epistemologically based on critical criminology, but develops in permanent dialogue with sociology, philosophy, political science and social psychology. For its execution, we combined bibliographical research, analysis of opinion polls and empirical research. Through bibliographical research we discuss fear as a political affect, we present the state of the art on the field of study of fear of crime, we discuss its symbolic dimension and the relationship between the neoliberal political-economic model and the contemporary protagonism acquired by fear of crime in the social conscience, both on a general level and in the specific contexts of Brazil and Chile, as well as the society's adherence to punitivism and punitive populism. We find an intimate relationship between the ontological insecurities of postmodernity, neoliberalism, the spread of fear of crime and the adoption of penal populism. Through the analysis of opinion polls and, in a lesser extent, of victimization surveys and criminal statistics, we present quantitative data on fear of crime and feelings of insecurity in Brazil and Chile, scaling the political importance of the topic. Through documentary research, we analyzed the content and justifications of bills approved in Brazil and Chile, between 1980 and 2020, in order to verify whether the fear of crime was mobilized by the legislator to support the proposed bill, and what way this mobilization was carried out. Thus, a quantitative and qualitative analysis of the justifications was carried out, showing that the fear of crime was widely used by the legislator to support the increase in punishment, the restriction of criminal procedural guarantees and the imposition of tougher conditions in prison.