Esta tese investiga o fazer história em John Selden (1584-1654) e se propõe a contribuir para o entendimento tanto da produção e usos do conhecimento histórico e antiquário quanto das práticas sociais e letradas que davam sustentação a essa fabricação intelectual no contexto da Inglaterra no século XVII. Selden foi jurista, antiquário e erudito reconhecido pelos trabalhos de natureza historiográfica e, com frequência, recorria ao estudo do passado para lidar com questões políticas. Uma dessas questões dizia respeito aos dízimos. The Historie of Tithes (1618) é um dos trabalhos mais conhecidos de Selden e, certamente, foi o mais polêmico entre eles. O livro e seu autor dão ancoragem à tese, de modo que, em todos os capítulos, sempre se parte deles para a eles voltar. Selden e a sua história dos dízimos são investigados em diversos registros: na constituição biográfica do autor (capítulo 1); nas operações intelectuais que davam forma à história antiquária desenvolvida por Selden, a saber, a coleção e o sincronismo (capítulo 2); na produção material, discursiva e política de Historie of Tithes e do lugar ocupado pela obra na disputa que existia na Inglaterra seiscentista em torno dos dízimos (capítulo 3); e, por fim, naquilo que a controvérsia revelaria a respeito tanto da repercussão da história escrita por Selden quanto dos atributos e valores que atravessavam a comunidade letrada e eram disputados no interior dela. Ao longo desses capítulos, são apresentados achados particulares, como o esforço duradouro na literatura biográfica de separar erudição e política, os diferentes sentidos de coleção, sincronismo e anacronismo na cultura histórica seiscentista, e a relevância da amizade, da controvérsia e dos atributos morais na gestão das interações entre letrados. E a junção desses e de outros achados leva à conclusão mais geral de que encarar Historie of Tithes como coleção ou biblioteca traz à tona, em primeiro lugar, um fazer historiográfico em particular, o estudo das antiguidades, que se mostrava fundamental para a tessitura do tempo cronológico bem como para uma atitude investigativa da história, até então incomum para a maioria dos letrados da época; em segundo lugar, esse fazer historiográfico colocava em circulação livros e outras materialidades que distribuíam não apenas informação e ideias, mas ainda valores morais e relações sociais, conferindo prestígio e lugar social a Selden dentro e fora da comunidade letrada. Quando confrontado nas implicações doutrinárias de sua obra, Selden precisou resguardar, antes de qualquer tese, o seu reconhecimento enquanto erudito, já que era isso que lhe conferia pertencimento tanto às letras quanto à política. Palavras-chave:

To explore the making of history in John Selden (1584-1654) charts a path for understanding the crafting and uses of antiquarian historical knowledge as well as the social and scholarly practices that shaped this kind of intellectual manufacture in 17th century England. Selden was a very much celebrated jurist, antiquarian, and scholar, famous for his historical works and someone who frequently applied himself to the study of the past in order to face political and theoretical questions. One of those issues at that time was tithes. The Historie of Tithes (1618) is a well-known work written by Selden and it was surely his most controversial piece. Both the book and its author give anchorage to this thesis: chapters always begin or come back to them by the end. In this thesis, Selden and his Historie are analysed on several levels: by the biographical layers that overlap and give meaning to the author (chapter 1); by the intellectual routines which shaped Selden's antiquarian way of writing history (i.e. collection and synchronism) (chapter 2); by the material, discursive, and political making of his Historie in the context of the dispute over tithes in early modern England (chapter 3); and by the controversy concerning Selden's Historie and what it can reveal on values, practices, and disputes in scholarly community. In those chapters, several findings are brought to light, such as the enduring effort by biographical literature to tear apart politics and scholarship, the meanings for collection, synchronism, and anachronism in early modern historical culture, or the key role performed by friendship, controversy, and moral values in the interactions among scholars. And those particular findings lead to a broad conclusion: Selden's Historie taken as a collection or a sort of library reveals, firstly, a specific making of historical knowledge (i.e. the study of antiquities) crucial for establishing a chronological order of time and an investigative attitude towards the past, which puzzled many men of letters; secondly, this way of making of history put books and other materials in motion and it distributed not only information and ideas but also moral values and social relations, feeding Selden with prestige and social place within and outside the scholarly community. When he was confronted with the doctrinal consequences of his Historie, Selden felt the need to defend (before any argument he could have) his own fame as a trustworthy scholar for it guarantee his belonging both to letters and politics.