Essa dissertação se debruça sobre o cotidiano, os discursos e a gramática organizativa de mulheres moradoras da periferia urbana que decidiram se engajar na construção de um território comunitário auto-organizado na região metropolitana de São Paulo. O estudo de caso é na Ocupação Esperança, que acompanho desde que surgiu em agosto de 2013, e que reúne cerca de 500 famílias em um terreno de Osasco (SP), organizadas com o movimento Luta Popular. Busco compreender de que maneira se dá, na vida diária dessas mulheres, o entrelaçamento das lutas "dos de baixo" contra "os de cima", como dizem, com aquelas que buscam reinventar as relações humanas cotidianas. Os dados etnográficos foram colhidos durante sete anos e a partir de um momento de inflexão no cenário político brasileiro, já que a comunidade surge na esteira das mobilizações de junho de 2013. Para além do foco na maneira como diferentes formas de violências se manifestam nas tessituras das vidas de minhas interlocutoras, me interessei nas leituras que essas mulheres fazem da nossa sociedade e nas formas organizativas desenvolvidas por elas, tanto por meio de um coletivo formal quanto por uma teia de produção de parentesco que chamo de comadrio e que tem na circularidade da informação o seu trilho de irradiação. Assim, desestabilizando forças ordenadoras que, da ética do proceder das quebradas às burocracias estatais, são calcadas em formas de governo de pessoas e territórios relacionadas a uma ordem de dominação masculina, essas mulheres parecem produzir mais uma camada nas formas organizativas autônomas chamadas de "nóis por nóis".

This dissertation focuses on the everyday life, the discourses and the organizational forms of women that, living in the urban periphery, decided to engage in the construction of a self-organized community in the metropolitan region of São Paulo (Brazil). The case study is Ocupação Esperança, which I keep up with since it appeared in august 2013. The community gathers about 500 families in a land in Osasco (SP), organized with a social movement called Luta Popular. I seek to understand the connections, in the daily life of these women, between the struggles of "those from below" against "those from above" - as they say - and the struggles that seek to reinvent everyday human relationships. The ethnographic data were collected during seven years, starting at a moment of inflection in the Brazilian political scenario, since this land occupation appears just after the huge mobilizations of June 2013. In addition to the focus on the way in which different forms of violence manifest in the lives of my interlocutors, my interest is in the analysis these women make about our society and in the organizational forms developed by them, both through a formal collective and through a web of production of kinship that I call comadrio and that has in the circularity of information its irradiation trail. Thus, destabilizing ordering forces that, from the ethics of "proceder" of the periphery to the state bureaucracies, are based on forms of government of people and territories related to an order of male domination, these women seem to produce yet another layer in the autonomous organizational forms called "us for ourselves".