Este estudo se propõe apreender como a sociedade paulistana percebe em seu cotidiano o processo histórico que vivencia - e ajuda a consolidar - na cidade de São Paulo, na segunda metade do século XIX. Neste momento, e em especial a partir da década de 1870, aceleram-se na cidade transformações socioeconômicas, urbanísticas, físicas e demográficas, no bojo da prosperidade crescente das exportações do café do interior paulista e à crise final da escravidão no país. E as pessoas, nesse universo urbano fortemente pautado por concepções socioculturais escravistas e rurais? Relações de sociabilidade hierarquizadas, que davam sentido a um dia-a-dia cujo eixo central de referências era a casa patriarcal, começam a conviver, de maneira cada vez mais intensa, com outras, de caráter contratual e pautadas na racionalidade do capital. Estas se difundem na cidade mediadas, em boa parte, pela introdução de novas mercadorias e modernos equipamentos de infra-estrutura urbana; pela abertura de bairros e loteamentos num território definitivamente alcançado pela especulação imobiliária. Levando em consideração que o espaço da rua constitui um cenário que reflete de maneira privilegiada o processo histórico mais abrangente em curso, concentrei-me nas representações sociais sobre a rua produzidas naquele momento. Busquei especificamente as concepções de espaço de uma nova personagem que vai sendo constituída na cidade, à medida mesmo em que avança o processo de urbanização paulistano de fins do XIX: o transeunte. Com base numa série de documentos por meio dos quais essa gama difusa de indivíduos expressa as vicissitudes de seu cotidiano - de transeuntes - pelas ruas (jornais diários, atas da Câmara Municipal; fotografias), concentrei-me nos relatos destes a respeito de atividades sociais antigas ( despejos de dejetos fecais e lixo, banhos nos logradouros públicos, a criação de animais, o comércio ambulante, as festas populares etc.) e modernas (em particular, a implantação e funcionamento dos novos serviços de infra-estrutura urbana) que coexistem nas ruas paulistanas naquele momento. Essas falas revelaram noções sociais de espaço relativas, respectivamente, às antigas e modernas características de uma rua que abriga, num intervalo de tempo de vinte anos, ações, relações e representações de idades tão distintas. Eis o que me permitiu acessar, ao final, as representações sobre o passado e o presente - sobre o tempo histórico, na São Paulo de fins do Império. Em meio a essa trajetória, vieram à tona também peculiaridades no modo como é percebido socialmente o espaço público paulistano, em gestação naquelas décadas.

This study intends to show how the São Paulo society perceives, in its everyday life, the historical process which it helps to constitute in the city in the second half of the nineteenth century. From that time on and especially from the decade of 1870 on, socio-economic, urbanistic, physical and demographic changes are accelerated, in a context of of slavery's final crisis in the country and of growth of prosperity caused by the increasing of coffee export from the interior of the State of São Paulo. And what of people, in this urban universe heavily marked by rural and slavish sociocultural conceptions? Hierarchical relationships which gave meaning to a day-to-day life whose central reference was the patriarchal household start to coexist in a more intense manner with others, characterized by rationality of capital. These relationships spread out through the city mediated by the introduction of new merchandise and modem equipment for the urban infra-structure, by the opening up of new boroughs, housing lots or estates in land definitively reached by estate speculation. Taking into consideration that the street area constitutes a scenario which reflects in a privileged manner the historical process in course, I concentrated on the social representations about this space, brought about in those times. I sought specifically for the conceptions of a new social actor who is being constituted in the city, along with the advance of the process of "paulistano" urbanization of the second half of the century: the pedestrian. Based on a series of documents in which these individuais express the vicissitudes of their - pedestrian - everyday life through the streets (daily newspapers, minutes of the Municipal Parliament, photographs), I concentrated on the write-ups of these people about old social activities (the throwing out of liter and sewage on the streets, bathing in public places, animal rearing, peddling, popular festivais etc.) and modem ones (in particular the introduction and operation of the new infra-structure services) which coexist in the streets of São Paulo in those days. These discourses revealed social conceptions of space related, respectively, to the old and modem characteristics of a street area which concentrates, in an interval of twenty years, actions, relationships and representations of different ages. This aspect led me to find out, at last, the social representations about past and present - about historie time, in São Paulo at the end of the Empire. The research also showed certain peculiarities in the way in which public space, brought about in the city in those decades, is perceived by society.