A década de 2010 assistiu à ascensão de um notável ciclo de greves no Brasil; no entanto, esse ciclo de greves não protagonizou transformações importantes na conjuntura política ou sindical, em contraste com o ciclo de greves da redemocratização. Nesta pesquisa, almejo uma compreensão mais aprofundada dos mecanismos capazes de explicar tanto a emergência desse ciclo extraordinário de greves quanto o fato de que ele não levou em larga escala à constituição de novos atores políticos coletivos. Para isso, analiso estatísticas sobre greves e outras modalidades de conflitos trabalhistas no Brasil, e conduzo entrevistas em profundidade com trabalhadores que participaram de greves que podem ser consideradas representativas do mais recente ciclo grevista (considerando-se setor de ocorrência, dimensões e demandas). Minha tese é que a emergência, as características e os desenlaces dessas greves se relacionam às características do arranjo neoliberal de inclusão social experimentado por trabalhadores precários no país na Nova República, sobretudo durante os governos petistas. Essas greves (de pequena escala e curta duração, protagonizadas por trabalhadores de serviços precários, orientadas à concretização de direitos historicamente descumpridos, fragilmente vinculadas a sindicatos) foram parte de uma conflitualidade trabalhista de diversas facetas, que envolve também formas individuais de resistência aberta à sonegação de direitos (ações judiciais, rescisões indiretas, denúncias trabalhistas, recusa a ordens abusivas). É possível vincular tal "poeira de pequenos conflitos" ao modo como experiências de inclusão pelo consumo, inclusão educacional e inclusão digital impactaram a autoestima e as expectativas normativas de trabalhadores precários, levando-os a buscar maior conhecimento a respeito de seus direitos e diminuindo sua tolerância frente a infrações. Tal "empoderamento individual" de trabalhadores precários, que abala hierarquias tradicionais de paternalismo e submissão nos estabelecimentos precários de serviços no país, é relativamente persistente mesmo após anos de empobrecimento social deflagrado pela crise econômica de 2015. No entanto, esse mesmo conjunto de experiências de inclusão social, na medida em que foi viabilizado em um arranjo político-econômico neoliberal e competitivo, não suscita automaticamente interesse em métodos formais ou duráveis de organização coletiva e atuação política, fato importante para explicar a incapacidade desses conflitos de protagonizar transformações político-institucionais.

The 2010s witnessed the rise of a notable cycle of strikes in Brazil; however, this cycle of strikes did not lead to significant changes in the political or labor union landscape, in contrast to the strike cycle during the democratization process. In this research, I aim to gain a deeper understanding of the mechanisms that can explain both the emergence of this extraordinary cycle of strikes and the fact that it did not lead on a large scale to the formation of new collective political actors. To do so, I analyze statistics on strikes and other forms of labor disputes in Brazil and conduct in-depth interviews with workers who participated in strikes that can be considered representative of the most recent wave of strikes (taking into account the sector, scope, and demands). My thesis is that the emergence, characteristics, and outcomes of these strikes are related to the features of the neoliberal social inclusion arrangement experienced by poor workers in the country during the Nova República period, especially during the governments led by the Workers' Party (PT). These strikes (small-scale and of short duration, led by precarious workers, aimed at achieving historically neglected rights, weakly linked to labor unions) were part of multifaceted labor conflict that also involved individual forms of resistance against the violation of rights (lawsuits, indirect terminations, labor complaints, refusal to comply with abusive orders). This "dust of small conflicts" can be explained by how experiences of consumption-based inclusion, educational inclusion, and digital inclusion have impacted the self-esteem and normative expectations of poor workers, leading them to seek greater knowledge about their rights and reducing their tolerance for violations. This "individual empowerment" of poor workers, which undermines traditional hierarchies of paternalism and submission in precarious service establishments in the country, is relatively persistent even after years of social impoverishment triggered by the 2015 economic crisis. However, this same set of social inclusion experiences, to the extent that it was made possible within a neoliberal and competitive political-economic framework, does not automatically generate interest in formal or durable methods of collective organization and political action. This is an important factor in explaining the inability of these conflicts to lead to political-institutional transformations.