Essa tese é dedicada à análise do processo de institucionalização da política pública nacional de erradicação ao trabalho escravo no Brasil, construída por meio de interações entre atores da sociedade civil e do Estado, desde a década de 1970 até o ano de 2022. Argumento que, na medida em que esses atores atuavam para desenvolver essa política pública, eles também colaboravam para a construção de suas próprias instituições, que amanheciam com novas perspectivas de atuação após o regime da ditadura e a promulgação da Constituição Federal de 1988. De acordo com uma abordagem construtivista, essa pesquisa dedica um duplo olhar para essa construção socioestatal, destacando os processos de ampliação de capacidades, especialização e autonomização não somente das burocracias estatais, mas também das organizações da sociedade civil ao longo de cinco décadas. Imersas em diferentes contextos políticos, conformaram três perspectivas acerca do trabalho escravo: uma violação de direitos humanos, um crime e uma relação trabalhista. Tais perspectivas se consolidaram como compreensões acerca do problema, orientando estratégias e influenciando o tom das interações, mas sobretudo dando conteúdos discursivos e legitimidade para que as instituições continuassem atuando em relações de representações, em nome da erradicação do problema e em favor dos trabalhadores explorados. Para apresentar e explicar esses processos, faço uma reconstrução do histórico dessa política pública a partir de 24 entrevistas semiestruturadas com representantes da sociedade civil, Estado e organismo público internacional, com o apoio de material bibliográfico. Nessa reconstrução, destaco os principais eventos da sua institucionalização dessa política, os quais também são verificados por meio da análise de 126 relatórios de fiscalização de casos de trabalho escravo, ocorridos nos estados do Pará e de São Paulo. Esse material foi elaborado por auditores fiscais do trabalho entre os anos de 1996 e 2021. Com essa investigação foi possível compreender as interações entre os atores da sociedade civil e do Estado que atuaram para desenvolver e aprimorar a política pública em questão, mas também para resistir a contra-ataques conservadores por parte do setor produtivo e do próprio Estado, que visaram à sua deterioração.

This thesis is dedicated to analysing the process of institutionalization of the national public policy dedicated to eradicating slave labor in Brazil, which has been built through interactions between actors from civil society and the State, from the 1970s to the year 2022. I argue that while these actors have acted to develop this public policy, they have also collaborated to build their own institutions, which dawned with new perspectives for action after the dictatorship regime and the enactment of the Federal Constitution in 1988. According to a constructivist approach, this research examines this socio-state construction, highlighting the processes in which capabilities, specialization and empowerment are expanding over five decades not only in the State bureaucracies, but also in the civil society organization. Immersed in different political contexts, these institutions shaped three perspectives on slave labor: a human rights violation, a crime and a labor relation. These perspectives were consolidated as comprehensions about the problem, guiding strategies and influencing the tone of interactions but above all providing contents for discourse and legitimacy so institutions would continue acting in the name of eradicating the problem and in favor of exploited workers. In order to present and explain these processes, the history of this public policy is reconstructed, based on 24 semi-structured interviews with representatives from the civil society, the State and an international public organization, with the support of bibliographic material. In doing so, I highlight the main events of the policy's institutionalization, which are also verified through the analysis of 126 inspection reports of slave labor cases that occurred in the states of Pará and São Paulo. These materials were prepared by labor inspectors between 1996 and 2021. This investigation allowed to understand the interactions between civil society and State actors who worked not only to develop and improve this public policy, but also to resist conservative backlashes imposed by the productive sector and by the State itself, which aimed at its deterioration.