Introdução: A perseguição/Stalking, em suas diversas formas, sempre foi considerada como uma modalidade de ofensa exercida por atos reiterados contra a privacidade e intimidade. O termo na língua inglesa sugere não apenas uma caçada, como também um possível meio insidioso de perseguir alguém. Dentre suas consequências, encontra-se, na literatura especializada, a indicação de que esse fenômeno se conecta e precede o feminicídio (Logan 2010). Segundo esse autor, 69% do total das vítimas de feminicídios consumados foram perseguidas durante o relacionamento que antecedeu tal desfecho. Tais indicações justificam a delimitação do estudo no âmbito da violência contra a mulher, área essa atravessada por diversos campos do conhecimento em que se destacam a saúde da mulher, em suas múltiplas determinações. No Direito, a Lei nº14.132/21 instituiu de forma autônoma a conduta como crime, sem prejuízo das sanções correlatas para os atos que materialmente a compõem. No interior das problemáticas da saúde da mulher, tornou-se relevante a sua descrição, análise e exploração de suas consequências. Objetivo: identificar, descrever e caracterizar a perseguição/Stalking, bem como analisar as suas consequências no âmbito da violência contra a mulher e conhecer as características da dinâmica persecutória, na qual se encontra involucrado o binômio vítima/perseguidor. População: 200 pessoas arroladas como vítimas ou réus nos processos judiciais e inquéritos instaurados perante a Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher - Fórum Regional VII, Itaquera, no foro de São Paulo, no período de novembro/2019 a novembro/2021, em que o fenômeno foi identificado. Amostragem: A partir de uma lista de 561 processos distribuídos no período e para o órgão judicial, foram retidos os 100 primeiros processos em que se constatou a perseguição/Stalking e, destes, 10 processos foram renderizados segundo a ordem cronológica de suas distribuições, retendo-se o último processo de cada dezena. Método: Trata-se de pesquisa empírica, descritiva, fenomenológica-hermenêutica, de natureza qualitativa remetendo-se aos casos denunciados perante o Poder Judiciário. A produção de dados derivou das transcrições de depoimentos da mulher/vítima e do seu perseguidor (esse independentemente do sexo/gênero) tanto na fase de investigação como durante a instrução do processo. Os dados coletados, submetidos aos procedimentos próprios da Análise de Conteúdo, foram codificados com destaque de palavras ou frases e organizados segundo critério semântico. As categorias obtidas e hierarquizadas foram analisadas tendo por referência as contribuições teóricas de Bourdieu (2003), mormente aquelas conectadas às noções de Poder e Violência Simbólica. Resultados: Os dados colhidos foram suficientes para caracterizar e conceituar analiticamente o fenômeno como espécie de Violência Simbólica, cuja relação estabelecida entre perseguidor e sua vítima é marcada pelo exercício de um Poder Simbólico ancorado no machismo, com sujeição da vítima à uma situação supostamente natural em decorrência de sua vontade de romper a relação afetiva que precedeu os atos de perseguição. Como consequência, as vítimas se viram restringidas em sua liberdade com grande incidência de violências psicológicas declaradas. Destacou-se a forma de ações reiteradas e habituais, não se registrando, neste contexto, qualquer conotação sexual por parte do ofensor. A insidiosidade da conduta de perseguir foi registrada em 100% dos casos, identificada nas mentiras e contradições proferidas pelos acusados, os quais ainda imputaram de forma sistemática às vítimas a responsabilidade pelos seus atos. Apurou-se também que, em alguns casos, houve reincidência de perseguição com a mesma vítima, reforçando a noção da existência de um ciclo da crise, tal como também evidenciado por MATOS (2011) em Portugal.

Introduction: Stalking, in its various forms, has always been considered as a form of offense exercised by repeated acts against privacy and intimacy. The term in the English language suggests not only a hunt, but also a possible insidious means of persecuting someone. Among its consequences is the indication in the specialized literature that this phenomenon is connected to and precedes feminicide (Logan 2010). According to this author, 69% of all victims of completed femicides were stalked during the relationship that preceded such an outcome. Such indications justify the delimitation of the study within the scope of violence against women, an area that cuts across several fields of knowledge in which women's health stands out, in its multiple determinations. In Law nº14.132/21 established the conduct as an autonomous crime, without prejudice to the correlated sanctions for the acts that materially comprise it. Within the problems of women's health, it has become relevant to describe, analyze, and explore its consequences. Objective: To identify, describe and characterize stalking, as well as to analyze its consequences in the context of violence against women and to know the characteristics of the dynamics of stalking, in which the binomial victim/persecutor is involved. Population: 200 people enrolled as victims or defendants in the lawsuits and inquiries filed before the Court of Domestic and Family Violence against Women - Regional Forum VII, Itaquera, in the Forum of São Paulo, in the period from November/2019 to November/2021, in which the phenomenon was identified. Sampling: From a list of 561 cases distributed in the period and for the judicial body, the first 100 cases in which stalking/Stalking was found were retained and, of these, 10 cases were rendered according to the chronological order of their distributions, retaining the last case of each ten. Method: This is an empirical, descriptive, phenomenological-hermeneutic research of a qualitative nature, referring to cases reported to the Judiciary. The production of data derived from the transcriptions of testimonies of the woman/victim and her persecutor (this one regardless of sex/gender) both in the investigation phase and during the instruction of the process. The data collected, submitted to the proper procedures of Content Analysis, were coded by highlighting words or phrases and organized according to semantic criteria. The categories obtained and hierarchized were analyzed with reference to the theoretical contributions of Bourdieu (2003), especially those connected to the notions of Power and Symbolic Violence. Results: The data collected was sufficient to characterize and analytically conceptualize the phenomenon as a kind of Symbolic Violence, whose relationship established between the persecutor and his victim is marked by the exercise of a Symbolic Power anchored in machismo, with subjection of the victim to a supposedly natural situation as a result of her will to break the affective relationship that preceded the acts of persecution. As a consequence, the victims found themselves restricted in their freedom with a high incidence of declared psychological violence. It was highlighted the form of repeated and habitual actions, not registering, in this context, any sexual connotation on the part of the offender. The insidiousness of the persecutory conduct was registered in 100% of the cases, identified in the lies and contradictions uttered by the accused, who also systematically imputed to the victims the responsibility for their actions. It was also found that, in some cases, there was recurrence of persecution with the same victim, reinforcing the notion of the existence of a "crisis cycle", as also evidenced by MATOS (2011) in Portugal.