Entre 2009 e 2020, o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) apoiou a produção e aquisição de aproximadamente 373 mil habitações em terra pública, fato inédito na história da política habitacional brasileira. Como a terra é um insumo essencial para a construção da habitação, mas também estratégico para a reprodução do capital imobiliário, nesta tese buscamos compreender e interpretar a influência desse novo arranjo de produção na dinâmica rentista que atravessa a provisão da habitação popular. Apoiados na análise da normativa, em dados de contratação e no estudo de quatro casos específicos, constatamos que a terra pública doada pelos entes subnacionais desempenhou dupla função: restringiu a acumulação rentista na provisão da habitação popular; mas, sobrepondo-se ao subsídio ao crédito federal, eventualmente impulsionou os ganhos do promotor privado. Atribuímos o desvirtuamento à não-precificação e à não-contabilização da terra pública pelo governo federal, no que chamamos de circulação invisibilizada da terra pública no PMCMV. Expressão da circulação invisibilizada do próprio fundo público no atual estágio do capitalismo, ao mesmo tempo que obscurece o papel desempenhado pelo Estado no financiamento à reprodução social, reforça a narrativa de eficiência dos mercados e do Estado Mínimo que acompanha a ideologia neoliberal. A contribuição teórica da tese consistiu em alçar a invisibilização do fundo público a paradigma analítico. Uma lente de análise que dialoga com a literatura do financiamento público da economia e dos estudos urbanos, mas também com os princípios de transparência e eficiência que orientam a administração pública. Aplicada à própria investigação, o paradigma permitiu mostrar que a circulação invisibilizada de recursos públicos dissimulou a valorização imobiliária rentista que acompanhou a implementação do programa. A contribuição prática deste estudo consistiu em apontar os limites e as potencialidades da doação de terra pública pelos entes subnacionais para o aprimoramento da política habitacional federal.

Between 2009 and 2020, the Brazilian affordable housing program Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) fostered the production of 373,000 homes on public land, an unprecedented outcome in the countrys housing policy history. Since land is a fundamental resource for housing construction, but also strategic for real estate capital accumulation, in this dissertation we seek to understand and interpret the impact of this new arrangement on rentier dynamics that permeates the provision of affordable housing. Based on the analysis of the program regulations, contract data and four case studies, we found that public land donated by sub-national governments played a dual role: it limited the ability of rentiers to accumulate capital, but eventually it leveraged real estate developer's profits, by superposing federal government mortgage subsidies. We attribute the diversion to the fact that the value of the public land was not assessed or accounted for by the federal government, what we called the invisible circulation of PMCMV public land. Interpreted as an expression of todays invisible circulation of the public fund itself, while underestimates the role of the state in financing social reproduction, reinforces the narrative of market efficiency and the Minimum State that underpins neoliberal ideology. The theoretical contribution of this study was to raise the paradigm of the invisible circulation to the level of an analytical lens that is compatible with existing literature on public finance and capitalist urbanization, but also with the principles of transparency and efficiency that guide public administration. Applied to this research, the paradigm showed that the invisible circulation of public resources deceived the rentier dynamics in the implementation of the PMCMV. The practical contribution of this study was to reveal the limits and possibilities of sub-national public land donation to improve the federal government affordable housing policy.