A rede urbana das Minas coloniais, se entendida apenas sob a lógica administrativa e política da Coroa Portuguesa, expressa as estratégias com as quais se intentou conduzir processos ora de centralização ora descentralização do poder, o que se evidencia no contexto em que foram forjados seus principais pólos, basicamente sua cidade e suas vilas. No entanto, ela se revela muito mais complexa e dinâmica na imbricada dialética entre urbano e sertão, na qual ganham importância outros núcleos, pela sua localização estratégica; outras atividades produtivas que não a mineração; os espaços produzidos na subversão da ordem vigente - os dos motins, dos quilombos, do contrabando - e, até, as práticas de gestão das questões cotidianas, que não podiam aguardar a intervenção de uma administração ou justiça muitas vezes geograficamente tão distantes. E, nesse sentido, no complexo mundo colonial, onde ora as ações do Estado, da Igreja e de particulares confluíam em interesses comuns, ora se opunham em acirrados conflitos, seria reducionismo relacionar o fenômeno da urbanização em Minas apenas ao papel de alguns pólos mais destacados. Exige, ao contrário, considerar uma série de articulações expressas na organização dos espaços macro e microrregionais e nas relações de dependência, hierarquia, função e especialização de seus assentamentos humanos e que conformam um sistema integrado de maior amplitude que é a rede urbana. Se o que distinguiu e conferiu um caráter especial ao processo de urbanização em Minas foi, por um lado, o seu impacto na estrutura económica e territorial da América Portuguesa, com o deslocamento do eixo económico-administrativo para o centro-sul e o desenvolvimento de articulações com regiões distantes, integrando mercados, ampliando fronteiras e fortalecendo a unidade territorial interna; por outro lado, no interior da capitania, as peculiaridades dessa urbanização revelavam-se nas formas como a população ocupou um território de vasta extensão, distribuindo-se em aglomerações de características diversas, articuladas segundo uma estrutura hierárquica dinâmica e complexa. A expressão espacial desses processos é evidenciada no amplo corpus documental constituído pela cartografia produzida no século XVIII e nas primeiras décadas do XIX que, comparada, cotejada e confrontada com outros registros documentais e estudos diversos, possibilitou-nos reconstruir uma geografia do que foi a rede urbana das Minas coloniais, abordando tanto suas articulações macrorregionais, quanto os processos que caracterizaram a formação de seus assentamentos humanos e de sua rede urbana, o que buscamos expressar no título desta tese: A rede urbana das Minas coloniais. Já no sub-título - na urdidura do tempo e do espaço - buscamos sintetizar o caminho trilhado no processo de recomposição de suas expressões espaciais, explorando os sentidos diversos do termo urdidura, esse conjunto de fios a partir dos quais se constrói a trama. Além da intenção de entrelaçar os fios do tempo no espaço - aspectos que a análise da cartografia da América Portuguesa e das Minas Gerais no período colonial buscou privilegiar - expressa ainda a marcha da constituição de sua rede urbana, em suas dimensões micro e macrorregionais, com a abertura e expansão dos caminhos, no ponto e alinhave da constituição dos assentamentos humanos. O sentido de trama também nos remeteu aos conluios e ardis, aos descaminhos do ouro, enfim, às expressões de uma subversão da ordem vigente, que conferiram complexidade e dinâmica às formas diversas do processo de construção da rede urbana colonial mineira. O delineamento de tais questões se refletiu na definição dos recortes temporal e espacial adotados. O recorte temporal de referência - de fins do século XVII, quando das primeiras notícias da descoberta do ouro nas Minas, até a Independência - apresenta as conveniências de abarcar tanto os primórdios da constituição da rede urbana mineira quanto os processos que resultaram em suas diversas reestruturações. Quanto ao recorte espacial, a tarefa de recomposição das expressões espaciais da rede urbana colonial mineira impôs a consideração de todo o território da Capitania de Minas Gerais, tendo como referências suas delineações presentes em fins do período em tela, cujos limites ainda não eram de todo precisos e inequívocos e, tal como avançamos e retroagimos no tempo, analogamente também o fizemos com relação ao espaço. Buscando, assim, compreender o processo de urbanização nas Minas coloniais, por meio da especialização das narrativas históricas, esta tese conjuga duas linguagens em estreita articulação, a escrita e a cartográfica, o que nos permitiu melhor espacializar não só as diacronias como as sincronias.

If Minas Gerais' urban web in times of colony, is understood just by the politic and administrative logics of the Portuguese Crown, it expresses the strategies that induced at times processes of centralization, at other times, processes of de-centralization of power. Those strategies are very evident as the context in which its main poles, cities and villages (vilas), were forged. However, this network becomes much more complex and dynamic with the dialectic tiling between urban and wildness, giving importance to other nuclei, because of their strategic location; other productive activities that don't envolve mining; the spaces produced at the subversion of the imposed order - the spaces of riots, runaway slave communities (quilombos) and smugglers - and even the management of simple routine problems that could not wait for the intervenience of the so distant official justice and govemment. In this sense, the complex colonial world where sometimes the actions of the State, the Church and of the common people would be of the same interests, sometimes they would be opposite, causing deep conflicts. It would be too simplifying to relate the urbanization phenomenon in Minas only to the role played by its few more proeminent poles. Instead, it demands the consideration of a number of articulations expressed on the organization of the spaces, macro and micro-regional and on the relations of dependence, hierarchy, function and specialization of its human settlements which end up forming an integrated system of higher amplitude that is the urban web. If what distinguished and gave special characteristics to the process of urbanization in Minas was, on one hand, its impact on the economical and territorial structure of the Portuguese America, with the displacement of the economic-administrative axe to the centre-south and the development of connections with distant regions, linking markets,amplifying frontiers and strengthening the internal territorial unity; on the other hand, on the interior of the Capitany, the peculiarities of this urbanization are revealed by the ways that such a vast extension of territory was populated, spread in gatherings of distinct characteristics, articulated by a complex hierarchic and dynamic structure. The spacial expression of theses processes is evidenced by the vast documental corpus, constituted by the cartography that was produced in the eighteenth century and in the first decades of the nineteenth century that, compared and confronted to other documental sources and a number of studies, made it possible to reconstitute a geography of what was the urban web in Minas at the time. Also it was possible to study its macro-regional articulations as well as the processes that shaped the human settlements and its urban web, something that we try to express in the title of this thesis: The Urban Web of the Colonial Minas. The subtitle, on the other hand - at the warp of time and space - we try to synthesize the long ways of the process of recomposition of its spacial expressions, exploring many of the meanings of the term warp, this group of lines from which the web is made. Beyond the intention of interlacing the lines for time in space - an aspect that the analysis of the cartography of the Portuguese America and of Minas Gerais at the colonial period tried to privilege - expresses also the march of the constitution of its urban web, in its macro and micro-regional dimensions, with the opening and expansion of routes, on the point and the tack of the constitution of human settlements. The meaning of weft also brings back to the plotting and the traps, the wrong ways of the gold. Finally, to the expressions of a subversion of the (then) present order, that granted complexity and dynamics to the many shapes of the construction process of the urban web in Minas. The description of those questions reflected on the definition of the time and space clipping adopted in the research. The time clipping adopted - from the end of the seventeenth century, when the first news of the gold findings in Minas, until the Independence - presents the appropriatness of embracing the begginings of the constitution of the urban web in Minas as well as the processes that resulted in its many restructurations. As for the spacial clipping, the task of recomposing spacial expressions of the urban web of the colonial Minas imposed that all the territory of the Capitany of Minas Gerais would be considered. Its present delineations were references that existed at the end of the period being considered, and the limits were then not all precise so, as we advance and retroact through time, we also do it through space. By this way, searching to comprehend the process of urbanization in the colonial Minas, spacializing historical narratives, this thesis assembles two languages in straight articulation: written and cartographic, and that allowed a better spacialization of not just the diacronies but the synchronies.