Com o envelhecimento, algumas habilidades cognitivas sofrem modificações em decorrência de processos neurobiológicos. A cognição também pode ser influenciada por aspectos psicossociais. Esta pesquisa teve como objetivo descrever as relações entre uma medida de neuroticismo, sintomas depressivos e propósito de vida, e o desempenho cognitivo em uma coorte de idosos residentes na comunidade. Trata-se de estudo descritivo, de corte transversal, a partir de dados da segunda onda do estudo de Fragilidade em Idosos Brasileiros (estudo FIBRA), realizado em Campinas/SP e no distrito de Ermelino Matarazzo em São Paulo/SP, entre os anos 2016 e 2017. A amostra foi composta por 419 idosos (72 anos) que pontuaram acima da nota de corte para demência no Mini-Exame do Estado Mental (MEEM), ajustada para o nível educacional dos participantes. As variáveis de interesse deste estudo foram as características sociodemográficas (idade, sexo, escolaridade, arranjo domiciliar e renda familiar); escore total do MEEM e os escores dos subitens do Mini-Exame Cognitivo de Addenbrooke (M-ACE), a saber, Fluência Verbal (FV) animais, Teste do Desenho do Relógio (TDR) e Memória Episódica (recordação tardia de um nome e endereço com 7 itens); e escore para o domínio Neuroticismo do Inventário de Personalidade NEO Revisado (NEO-PI-R), Escala de Depressão Geriátrica (EDG) e domínio Propósito de Vida (PV) da escala de Bem-Estar Psicológico. Devido à ausência de distribuição normal na maioria das variáveis, optou-se por análises não paramétricas como os testes de Mann-Whitney, Kruskal-Wallis (com comparações post hoc Dwass-Steel-Critchlow-Fligner [DSCF]) e Qui-quadrado. Foram utilizados também os testes de correlação de Spearman e regressão logística. O nível de significância estatística adotado para todas as análises foi de p<0.05. Um escore cognitivo composto foi criado a partir dos dados normalizados do MEEM, FV, TDR e Memória Episódica. Na amostra, 293 eram mulheres (70%), com idade elevada (mediana=80 anos, IIQ=77-82), baixo nível educacional (mediana=4 anos, IIQ=2-5), com 54 participantes sem escolaridade formal (13%). Havia um maior número de mulheres morando sozinhas. Quanto à cognição da amostra total, os participantes apresentaram os seguintes escores em medianas: MEEM=25 (IIQ=23-27), FV=11 (IIQ=9-14), TDR=2 (IIQ=1-4) e Memória Episódica=3 (IIQ=0-5). No total 82 participantes (20%) tinham escores sugestivos de depressão maior na EDG. Nas análises de correlação bivariada, a cognição global (escore composto) esteve relacionada significativamente com escolaridade (ρ = 0,415; IC95% 0,332-0,491; p<0,001), neuroticismo (ρ = -0,175; IC95% -0,268-0,078; p<0,001), sintomas depressivos (ρ = -0,185; IC95% -0,276-0,091; p<0,001) e PV (ρ = 0,220; IC95% -0,125-0,311; p<0,001). Na regressão logística, incluindo todas as variáveis de interesse, usando o método stepwise, a cognição global esteve significativamente associada com escolaridade (OR = 1,32; IC95% 0,17-0,38; p<0,001) e PV (OR = 2,12; IC95% 0,30-1,20; p=0,001). Conclui-se que o baixo PV e a baixa escolaridade estão significativamente associadas à pior cognição entre idosos. Este dado sugere que alto PV pode ter maior influência que elevados sintomas depressivos e neuroticismo sobre a cognição entre idosos. Pouco tem se discutido sobre o PV e seus efeitos sobre a cognição na literatura. Por isso, o PV e a escolaridade elevados poderiam ser foco de políticas públicas, gerando maior adaptação cognitiva e longevidade. O PV está associado a um ambiente social mais justo, com políticas que criem oportunidades para o envelhecimento saudável. Com isso, possibilitar maior engajamento em atividades sociais individualmente significativas podem favorecer maior estimulação intelectual.

With aging, some cognitive abilities change because of neurobiological processes. Cognition may also be influenced by psychosocial factors. This study aimed to describe the relationships between a measure of neuroticism, depression symptoms and purpose in life, and cognitive performance in a cohort of community-dwelling older adults. This was a descriptive, cross-sectional study based on data from the second wave of the study of Frailty in Brazilian Older Adults (FIBRA study), conducted in Campinas/SP and in the district of Ermelino Matarazzo in São Paulo/SP, between 2016 and 2017. The sample consisted of 419 older adults (72 years old) who scored above the cut-off score for dementia in the Mini-Mental State Examination (MMSE), adjusted for the educational level of the participants. The variables of interest in this study were sociodemographic characteristics (age, sex, education, household living arrangement, and family income); total score of the MMSE and the scores for the sub-items of the Addenbrookes Mini-Cognitive Examination (M-ACE), namely, Verbal Fluency (VF) for animals, Clock Drawing Test (CDT), and Episodic Memory (delayed recall of a name and address of seven items); and scores for the Neuroticism domain of the Revised NEO Personality Inventory (NEO-PI-R), Geriatric Depression Scale (GDS), and the Purpose in Life (PiL) domain of the Psychological Well-Being scale. Due to the absence of a normal distribution in most variables, nonparametric analyses, such as the Mann-Whitney and Kruskal-Wallis tests (with post hoc comparisons, Dwass-Steel-Critchlow-Fligner [DSCF]), and the Chi-square test. Spearman's correlation and logistic regression tests were performed. The level of statistical significance adopted for all analyses was p<0.05. A composite cognitive score was created from normalized MMSE, VF, CDT and Episodic Memory data. In the sample, 293 were women (70%), with older age (median=80 years, IQR=77-82), low educational level (median=4 years, IQR=2-5), and 54 participants without formal education (13%). There was a greater number of women living alone. For the total sample, the cognitive scores, in medians, were: MMSE=25 (IQR=23-27), FV=11 (IQR=9-14), TDR=2 (IQR=1-4) and Episodic Memory=3 (IQR=0-5). In total, 82 participants (20%) had scores suggestive of major depression on the GDS. In the bivariate correlations, global cognition (composite score) was significantly related to education (ρ = 0.415; 95%CI 0.332-0.491; p<0.001), neuroticism (ρ = -0.175; 95%CI -0.268-0.078; p<0.001), depression symptoms (ρ = -0.185; 95%CI -0.276-0.091; p<0.001), and PiL (ρ = 0.220; 95%CI -0.125-0.311; p<0.001). In the logistic regression, incluind all variables of interest, using the stepwise method, global cognition was significantly associated with education (OR = 1.32; 95%CI 0.17-0.38; p<0.001) and PiL (OR = 2.12; 95%CI 0.30-1.20; p=0.001). Low PiL and low education levels are significantly associated with worse cognition among older adults. This data suggests that high PiL may have a greater influence than higher depression symptoms and neuroticism on cognition among older adults. Little has been discussed about PiL and its effects on cognition in the literature. Therefore, high PiL and education could be the focus of public policies, generating greater cognitive adaptation and longevity. PiL is associated with a fairer social environment, with policies that create opportunities for healthy aging. This enables greater engagement in individually significant social activities that can promote greater intellectual stimulation.