O objetivo do presente estudo, de cunho teórico-analítico, configura-se como uma tentativa de compreensão da forma pela qual se estabeleceram, no Brasil, as identidades profissionais das professoras de primeiras letras e das coordenadoras pedagógicas, mutuamente referidas, e o mal-estar decorrente das modalidades pelas quais se instituíram, com as reformas educacionais, suas competências desejáveis mediante diferentes descrições das respectivas funções. Na busca de entender teoricamente como se produzem essas identidades nas estruturas hierárquicas das instituições escolares, os aportes teóricos de Foucault forneceram ferramentas úteis para problematizar os saberes vigentes e compreender como certos saberes são desqualificados nas relações de poder. A compreensão de Foucault acerca da relação entre saber e poder, principalmente, possibilita outras leituras dos discursos pedagógicos, acumulados e veiculados como verdades, que permeiam a construção das identidades dessas profissionais. A análise sociológica de Bauman, por sua vez, ajuda a elucidar o presente em que estamos imersos, que ele chama de modernidade "leve" e "líquida" e, assim, torna possível entender as redistribuições e realocações dos poderes e os novos padrões de dependência na instituição escolar, apesar de o discurso pedagógico dominante aparentemente convocar "autodeterminação" e "liberdade" como características centrais da constituição dessas identidades em estudo. A presente investigação busca, dessa forma, primeiramente elucidar no Brasil o percurso histórico da profissão de professora das primeiras letras e assim compreender como se configuraram as estruturas hierárquicas, isto é, a "função supervisora" nas reformas educacionais das décadas de 20 e 30, caracterizada pela inspiração empresarial na administração escolar e pela instituição da figura do especialista em novos métodos de ensino. É realizada a seguir a análise de quatro volumes da coleção O Coordenador pedagógico, organizada por Vera Nigro de Souza Placco e Laurinda Ramalho de Almeida, publicada a partir de 1998, escolhida pelo elevado número de edições, o que demonstra sua aprovação pelo público. A coleção possibilita o acesso a alguns dos principais discursos que norteiam a constituição da identidade desses profissionais. Os artigos aí presentes são resultados, na sua maioria, de dissertações de teses e de pesquisas de avaliação de projetos implementados na rede pública ou particular. Como conclusão, observa-se que os discursos educacionais em geral enfatizam a constituição de profissionais "autônomos", "críticos" e "reflexivos". Imersos nesse discurso homogeneizante e sofisticado nas suas propostas de auto-exame, no entanto, tanto professores como coordenadores paradoxalmente vão limitando as possibilidades de pensar e de constituir suas identidades. Uma possível ação questionadora seria a de duvidar desse lugar idealizado nas descrições da função dos coordenadores pedagógicos, que definem missões impossíveis, lugar em que, na maioria das vezes, são vistos como detentores de uma consciência crítica embasada nos conhecimentos da ciência, e capazes de constituir professores "autônomos" e "reflexivos". Duvidar, assim, dessa relação, quando ela se estabelece pela necessidade da tutela desse especialista, a fim de buscar outras formas de relação que permitam de fato que as professoras das primeiras letras possam se desenvolver enquanto profissionais.

This study aims at attempting to comprehend the way the professional identities of primary school teachers and pedagogic coordinators has been established in Brazil and the subsequent ill-feeling originated by the educational restructuring of their competencies in the light of their new roles. The search for the understanding of how these identities are constructed in the hierarchical structure of schools can be backed up by Foucault-based theories that provide useful tools for analyzing the present kinds of knowledge, at the same time that it helps understand how they can be disqualified before unequal encounters. Foucault's understanding of the relationship between power and knowledge makes it possible to envisage different interpretations of the pedagogical discourse which has been established and passed on as truths that permeate the make-up of the identity of a teaching professional. Bauman's sociological approach, in turn, helps to elucidate the present scenario where we are, which he named "light" and "liquid" modernity. Such suggested approach makes it possible to understand the redistributions and allocations of the powers and the new patterns of dependence at the educational institution, despite the fact that the dominant pedagogical discourse seems to capitalize on "self-determination" and "freedom" as central characteristics in the construction of the identities under investigation. Thus, the present study seeks to elucidate, from a historical perspective, the path of the primary school teacher as a means to shed some light on how the hierarchical relations came to be, namely that of the "supervisor" in the educational restructuring of the 20's and 30?'s. The referred restructuring seems to have been highly influenced by the entrepreneurial spirit present in school administration trends and by the institution of a specialist in the new teaching methods. Four volumes of the series O Coordenador Pedagógico (the Pedagogic Coordinatior) published as of 1998 and organized by Vera Nigro de Souza Placco and Laurinda Ramalho de Almeida are chosen and analyzed due to the significant number of editions, which seems to be indicative of its approval by the target audience. This collection makes it possible to have access to some of the main discourse samples that guide the identity construction of the professionals of the area. Most of the articles therein result from theses, dissertations and research on the evaluation of projects implemented in private and public educational institutions. As a conclusion, it is possible to observe that the educational discourse, in general, emphasizes the construction of "autonomous", "critical" and "reflexive" professionals. Given the homogenous and sophisticated nature of such discourse, filled with self-analysis proposals, both teachers and coordinators limit their possibilities of thinking and constructing their identities. One possible approach to this paradox would be to dispute the idealization of the role of the pedagogical coordinator that defines impossible missions and appears to be the bearer of a critical conscience that, based on scientific background, is capable of educating teachers to be "autonomous" and "reflexive". This way, disputing this relation may bring in new possibilities of relationships and approaches to allow the primary school teachers to develop as professionals.